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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A Amplidão dos Significados

Certas palavras do grego e do latim acabaram originando palavras de línguas atuais que, numa primeira impressão, têm significados distantes das palavras originais. Por exemplo, a palavra gaiato, do português, que significa "arteiro", "travesso", "safado", tem seu cognato mais próximo em gaieté, do francês, que significa "alegria", "animação", "entusiasmo". Essas duas palavras, junto com gay, do inglês, que também já teve o sentido de "alegre", compartilham uma origem em comum no latim gaudium, que também significa "alegria".

O mais interessante é observar como, com o passar do tempo, algumas palavras dessa mesma raiz acabaram perdendo o sentido de "alegre" que tinha na raiz latina, enquanto outras não: gay no inglês passou a adquirir um sentido relacionado à promiscuidade e à homossexualidade; "gaiato" e "gaio"(uma forma pouco usual), no português, adquiriram o sentido de "travesso" como foi dito acima; e enquanto isso, gai no francês atual manteve o sentido de "alegre".

Lança-se a pergunta: como esses três significados (alegria, promiscuidade e travessura) podem ter vindo da mesma palavra? O que isso diz sobre o sentimento de alegria?

Pode-se interpretar que a ideia subjacente a todos estes conceitos é a ideia de despreocupação, com suas implicações positivas e negativas. Estar relaxado, livre de preocupações é estar alegre. No entanto, deixar de se preocupar com certas coisas como os deveres e a observação das leis e dos costumes pode também revelar malícia, não é mesmo? Uma pessoa travessa é alguém age de maneira maliciosa porque não se preocupa com as consequências que suas ações podem causar para outros. Uma pessoa promíscua é alguém que não se preocupa com as normas e "bons costumes" relacionados às relações sexuais.
Todos esses sentidos estão relacionados. Prova disso são os outros usos que damos às palavras "alegre" e "relaxado": quando queremos dizer que uma pessoa ficou bêbada, diz-se que ela "ficou alegre"; quando queremos nos referir a alguém que é um vagabundo, pode-se dizer que é "um relaxado". Irreverência, indisciplina, liberdade e libertinagem são todas facetas do sentimento de alegria, e se revelam não só na origem das palavras, mas também nos vários sentidos que adquirem no uso cotidiano.


O mesmo fenômeno ocorre com a palavra zelo. "Zelo" vem do grego antigo zelos e é cognato de várias palavras que demonstram sentidos positivos e negativos de se zelar por algo. Essa é a mesma origem da qual derivam "zealot" (do inglês, que significa "fanático"), "ciúme" e seus sinônimos "jealousy" (inglês) e "jalousie" (francês). Neste caso específico há o dado interessante de que, na mitologia grega, existe um deus chamado Zelus: um guarda de Zeus que personifica as características do sentimento de zelo. Zelus pode ser tanto um protetor dedicado e fiel como um servidor fanático, ciumento e invejoso de outros que sirvam o mesmo mestre.

Por fim, vale mencionar também que a palavra sad, do inglês, que significa "triste", tem a mesma origem das palavras "satisfazer", "saciar" e "saturar". É claro: o que é mais triste? Enfrentar os perigos de um desafio ou chegar a seu fim e enfrentar o tédio? Jantar um banquete delicioso ou sentir-se saciado após a refeição? A busca pela satisfação e pela saciedade é muito mais interessante do que ela própria. Até porque o próprio sentimento de satisfação descarta a necessidade de novas aventuras. Quem se sente muito tempo saciado acaba ficando enjoado, entediado, saturado.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Introdução e Metáforas Etimológicas

Bem-vindo(a)!

Sou um estudante de Ciências Sociais com uma paixão furiosa por línguas. Fora o português, minha língua nativa, estudo o inglês, o japonês e o francês. Sou um aficionado por temas como a etimologia (ciência que estuda a origem das palavras) e a sociolinguística (ciência que estuda as implicações sociais das variações linguísticas), e, de modo geral, como a língua se relaciona com as ideias e o comportamento humano em diferentes épocas e espaços.

Minha curiosidade fervorosa sobre estes temas me leva a fazer algumas reflexões e investigações em meu tempo livre cujos resultados revelam frequentemente dados curiosos sobre as línguas em geral ou sobre a língua em questão. Vendo o quão infrequente é que dados como estes cheguem a públicos fora do antro acadêmico (salvo o esforço de algumas personalidades que me dão inspiração, como o professor Pasquale Cipro Neto e principalmente o filósofo Mario Sergio Cortella), decidi criar este blog para servir como um espaço acessível para expor e discutir esses assuntos.

Este blog usa um recurso para aprofundar a leitura sem perturbar o ritmo do texto: sempre que vir palavras grifadas, experimente passar o mouse por cima delas. Aparecerá um balão de texto que irá dar informações breves (como, por exemplo, a origem de uma palavra) que enriquecem o texto, mas que não são essenciais para compreender a discussão, como uma nota de rodapé.


Uma das noções fundamentais que será retomada várias vezes neste blog é a relação entre o significado de uma determinada palavra de uma língua falada atualmente e sua derivação etimológica, ou seja, como a palavra é construída (a partir de quais prefixos, quais radicais, etc.). Frequentemente ao examinarmos a partir de quais outras palavras ou sufixos uma determinada palavra é formada, descobrimos sentidos novos, ocultos e mais profundos que, assim, enriquecem nossa concepção daquela palavra.

Um bom exemplo é a palavra concordar. Esta palavra vem de concordare, do latim, que é formada pelo sufixo con-, que significa "juntar", "unir" e por cordis, que significa "coração". Vê-se, assim, que a palavra concordar tem o sentido oculto de "unir os corações", o que renova e aprofunda nosso conceito de concordar. Quem diria que no momento que você estava afirmando sua concordância com um ponto de vista de certa pessoa, estava também unindo seu coração ao dela? Ou que, ao discordar, você separa o seu coração do coração de outro?

O mais impressionante de tudo isso é que é muito frequente que a formação de palavras ocorra por meio de metáforas como essa. Outro dia, por exemplo, suspeitei (e mais tarde, confirmei) que a palavra twilight, do inglês, que significa "crepúsculo", tem em sua origem o radical twi-, o mesmo da palavra twin, que significa "gêmeo", "dois", "par", etc.. Isso significa que, se twilight é o mesmo que twin lights, ou "duas luzes", então o crepúsculo é o período em que as duas luzes, a do sol e a da lua, coexistem.
Incrivelmente poético! Quantas coisas desse tipo a língua mantém secretas apenas na origem das palavras e quanto da profundidade desses significados foi perdida ao longo do tempo? É esse tipo de curiosidade que me rendeu incontáveis pequenas investigações sobre as línguas, que passarei a compartilhar aqui, neste espaço.