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segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Etimologia é um Chute

Como todas as ciências humanas, a etimologia é uma ciência inexata. Não há simplesmente a descoberta de dados que trazem resultados por si mesmos, como é possível fazer, por exemplo, em ciências como a física ou a química. Nas ciências exatas, é possível, pelo menos em teoria, medir com precisão atributos que fornecem informações quantificáveis sobre o fenômeno estudado, o que significa que, se o experimento foi bem realizado, não há discussão sobre o que os dados dizem: tudo o que eles apresentam pode ser medido e replicado por outros cientistas. Para saber mais sobre um fenômeno, segue-se um modus operandi: ou se pensa em um modo de interpretar esses dados, de entender o que eles significam para o fenômeno, de maneira mais correta do que o modo atual, ou se pensa em novos experimentos que supostamente deem novas informações sobre o fenômeno.

Infelizmente, os fenômenos das ciências humanas costumam ser muito mais elusivos. Sem desmerecer de modo algum o trabalho feito pelos cientistas das ciências exatas, é necessário mencionar que, nas ciências humanas, quando se observa um objeto de estudo, seja qual ele for (ex.: um poema, uma determinada época da história, o comportamento de um certo grupo social, uma forma de governo), a primeira dificuldade é que não se pode medir ou quantificar suas características (salvo as tentativas de aplicar estatística a, por exemplo, as ciências sociais). Por causa disso, identificar quais e como são os aspectos desse objeto de estudo fica por conta do modelo de interpretação de cada um. Pois como o assunto se refere ao plano das ideias, ao subjetivo e ao abstrato, a própria interpretação sobre o fenômeno por parte de quem observa já filtra as outras possibilidades de se observá-lo (diferentemente de um laboratório de física, em que a maneira de se interpretar o que se vê é pela medição racional de aparelhos e instrumentos).

O resultado é que em muitos casos várias teorias divergentes sobre o mesmo assunto acabam sendo obrigadas a conviver, pois nenhuma consegue refutar completamente a outra. Todas acabam sendo mais ou menos válidas (exceto, é claro, pelo ponto de vista dos partidários de cada teoria). E fica por isso mesmo, porque conseguir fazer um teste de uma hipótese ou fenômeno em condições controladas, como quando se testa as propriedades de um gás em um laboratório, é algo muito improvável nas ciências humanas, alguns diriam impossível.

Quer você ache essa constatação deprimente ou reconfortante, é aí que entra a etimologia. Poucas coisas são mais elusivas do que a busca por linhas de sentido entre palavras de línguas separadas por tempo e espaço! Algo que pode servir de guia para descobrir a origem de uma palavra são documentos, registros e escritos antigos que contenham algumas palavras que supostamente façam parte do trajeto etimológico em questão, ou que apresentem dados sobre o contexto da época que contribuam a alguma interpretação.

O resto, infelizmente, é chute. A criatividade e o conhecimento linguístico do estudioso de etimologia entram em ação e...enfim, pensa-se em algo que faça sentido. É por essas e outras que acabam surgindo algumas explicações bem duvidosas que, por mais que pareçam fazer sentido, podem ser refutadas comparando com outras palavras da mesma origem, ou com pistas da documentação. Vejamos, então, algumas gafes que populam o universo da etimologia, algumas que chegam a aparecer em dicionários, e outras que não:

• Dizer que o prato japonês tempura vem de "tempero", do português. Embora tanto a palavra quanto o prato terem derivado do contato com os portugueses no século XVI, é mais aceita a interpretação de que os jesuítas comiam o tal do tempura mais comumente durante a Quaresma (em latim quattuor tempora ou ad tempora quadragesimae), período no qual eram proibidos de comer carne vermelha e, assim, preferiam algum prato com peixe ou vegetais.

• Dizer que a palavra "sincera" vem do latim sine, "sem" e cera, "cera", significando literalmente "sem cera", "sem manchas". Muito interessante, mas é bem mais provável que seja na verdade o prefixo sin-, usado para dar o sentido de "junto", "conjuntamente", e o mesmo "cere" de crescere, "crescer" em latim. Disso, "sincero" seria o que "cresce conjuntamente" e portanto que "tem um desenvolvimento único, sem desvios".

• O absurdo de dizer que arigatō vem de "obrigado", do português... ou melhor, de "obrigadô", o que quer que se queira dizer com isso. Bom, etimologia tem de fato a ver com semelhança no som, mas nem tanto assim! Para começar, é muito difícil que uma palavra tão crucial para a vida cotidiana como "obrigado" tenha vindo de uma língua estrangeira, ainda mais em uma cultura como a japonesa, em que relações formais de hierarquia são observadas a todo momento. Outra que arigatō está em si relacionado com outros termos da língua japonesa, como o adjetivo arigatai, que significa "o que se recebe com gratidão", sendo difícil que tenha sido apropriada de outra língua. Preciso continuar?

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